I I I Largo o documento aberto, sem salvar, sem formatar. Apago rastros sistemáticos, virtuais e infinitos. Tentativa fraca e covarde de tentar me proteger, conter impulsos viscerais e preservar algum controle. Em contra partida, em um paralelo, meu intestino se desdobra em autofagia. Diarreia, desidratação, é assim que me dá gosto, a autopunição. Releio, percebo e reluto mas por fim aceito, escrevi algo que gostei. Escrevi, gostei, senti que foi, que passou, alívio. Quase não acredito que estou terminando alguma coisa. Enlaço o texto, embrulho, compartilho. Foi possível. É quase tarde, arrumo a cama. Tarefas, rotina, ser alimentada, alimentar o gato, sobrevida. Fechar os olhos e orar a digestão, de forma tal a escutar o vento refletido nas folhas da palmeira, peça central da paisagem da minha janela. Quando se escreve com o próprio sangue, é preciso saber administrar as sessões de cura e de sangria, os períodos de nutrição e sacrifício, assim como em qualquer ciência. Refluxos quentes debaixo da mesa: vomitar é uma necessidade natural dos gatos. Da cama pra mesa, agora é definitivamente tarde. O tempo percorre, pelos cata-ventos do dia. Sei que já te atrai, te reprimi, te conservei mas não sem amassar as bordas do teu retrato desgastado que carrego nas artérias, mesmo assim meus dedos continuam a compor trilhas e mais trilhas de letras e frases e parágrafos, os sons das teclas do teclado, o vento, a palmeira: Deliciosamente desnecessário. O prazer da existência plena depois do expurgo. A liberdade de agora poder ser. E mesmo assim voltar, voltar e voltar a bel prazer sempre ao mesmo ponto, já que nunca paro de crescer, e de encontrar o seu rosto em novos rostos, e essa sempre ser a minha não maior, mas muito grande questão.
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Desconectada Último acesso: 23 de Novembro de 2023
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mrherbst Seu, como eu sou. E belo, como só você pode ser.