O som do silêncio O relógio marcava o fim do expediente, mas ninguém parecia ter pressa pra ir embora. As luzes do escritório, já meio baixas, davam ao ambiente um ar de segredo. Só nós dois. E o som dos dedos dele tamborilando distraidamente sobre a mesa. Eu tentava manter o foco nos relatórios, mas a presença dele… tomava conta de tudo. Era impossível ignorar o cheiro do perfume que insistia em ficar no ar, o modo como ele me observava quando pensava que eu não percebia. Havia algo ali — uma tensão que não se dizia em voz alta, mas se sentia em cada respiração. — Você ainda não foi embora? — ele perguntou, sem levantar o olhar. — Tenho coisas pra terminar. — respondi, tentando soar firme. — Sempre tão dedicada… — disse, e dessa vez, o olhar veio junto. Foi nesse instante que o tempo pareceu desacelerar. O barulho do ar-condicionado, o clique distante de uma impressora, o pulsar do coração… Tudo se misturava à sensação de estar prestes a atravessar uma linha invisível. Ele se levantou devagar, caminhou até minha mesa. Cada passo ecoava no silêncio. Não houve toque, nem palavra imprópria — mas o ar entre nós era puro risco. Aquela distância curta o suficiente pra sentir o calor de quem se aproxima demais. — Isso pode dar problema — murmurei, mais pra mim do que pra ele. — Então… talvez a gente devesse fingir que não começou. — A voz dele era calma, segura. — E se for tarde pra fingir? — perguntei. Ele sorriu. Um sorriso pequeno, perigoso, o tipo que carrega culpa e desejo ao mesmo tempo. E foi assim que ficou. Nenhum movimento brusco, nenhum gesto proibido. Mas a sensação… de que algo já tinha acontecido, mesmo sem acontecer, era impossível de negar. Saí mais tarde naquela noite, com o coração acelerado e a mente em chamas. Entre relatórios, promessas e silêncios, deixamos algo ali — suspenso no ar. Algo que ninguém viu, mas que nós dois sabíamos muito bem o nome.
